quinta-feira, julho 09, 2009

Paz

Fecho os olhos!
O morno do sol no meu rosto beija-me a alma! Estes raios fugidios são como pétalas de rosas que chovem do infinito azul… batem suave, suavemente! Como quem abraça, como quem ama, como quem sê si mesmo!
Lentamente, afasto o cachecol que me cobre quase todo o rosto e olhos de mansinho o mar…
Esta praia não é mais a mesma! Entre os rasgos de geada e os raios mornos deste dia lindo por si só, encontro uma alegria incontida, um sentimento que me deu a mão e me fez sentir finalmente encontrei a paz que me fez partir para a realidade dual!
Sentada neste tronco já tão meu, sinto-me finalmente no meu verdadeiro caminho para casa! Não mão enluvada, e mesmo assim gelada, um maço de cartas ainda fica… Olho-as uma vês mais!
Um sorriso escapou-me e um abraço invisível de vento, saudade e paz, apertou-me o peito, beijou-me a alma, segredou-me algo que só o meu coração ouviu!
Brindei o fim do dia com uma gargalhada e caminhei dançando e cantarolando pela areia!
Vou para casa! É aqui, na realidade dual que eu moro realmente… Encontrei finalmente, a paz que ansiava! (até quando?)
Brinda a vida!
Sorri sem motivo!
Ama esta paz!
Sê tu!
Vive!
Eu estarei onde sempre deveria ter estado!


P.S.- Naquele tronco, ficam seladas todas as cartas que um dia escrevi para ti… até sempre!

Madalena Rocha
27-01-2007

Prova-me e diz-me quem sou


Abri a porta e mal dobrei a passagem comecei a despir as roupas que me faziam sentir tão pesada! Depois de me ver livre daquele peso absurdo, liguei a torneira da água quente e deixei a banheira a encher… Fui ao quarto das crianças, abri o armário e na segunda gaveta… lá estavam! Montes de toalhas macias, meticulosamente passadas e apesar do tempo, com um cheiro incrível a lavado! Aproximei uma delas do nariz e respirei fundo…
Percorri rapidamente a casa e fechei todas as janelas, o meu corpo gritava por algum calor…
Mergulhei na banheira e o contraste de temperaturas soube-me bem! Lentamente fui começando a sentir-me cada vez melhor e ao olhar por entre a limpidez da água, comecei a ver o meu corpo, as suas formas e comecei a lembrar-me de um momento em que eu não estava sozinha numa banheira como aquela e umas mãos acarinhavam aquele corpo que eu via ali agora, nu, despido, insípido, imperfeito… os pensamentos recomeçaram a fluir e antes que se apoderassem de mim, criei, sem muito esforço, uma barreira entre mim e a minha mente, não me queria deixar perder em questões sem resposta nem solução! Queria viver, sentir e pensar unicamente naquele momento… Fechei os olhos e fui tocando o meu corpo como se nunca o tivesse visto ou sentido… Não era nem de longe nem de perto, o que eu gostaria que fosse!
Quando me senti limpa e quente o suficiente, sai, enrolei o cabelo numa toalha de rosto e vesti o fato de treino aveludado no interior…ao roçar na pele nua, a sensação era confortante, como se me mimasse, como se a cada movimento uns lábios suaves percorressem o meu corpo!
Fui até à cozinha, enchi a cafeteira de água e abri um pacote de café…o cheiro do café invadiu-me, era incrível! Apeteceu-me morder os grãos, mas naquele pacote, já só havia pó! Apercebi-me que não sabia o quão gostava deste cheiro! Senti-o uma vez mais antes de colocar a cafeteira ao lume!
De novo na casa de banho, sequei energicamente o cabelo contra a toalha e depois passei-lhe uma escova rapidamente para desembaraçar para por fim o voltar a prender num rabo-de-cavalo! No quarto procurei as pantufas de pelugem que trouxera… era incrível a duração da minha memória para me lembrar destas coisas (se ao menos fosse assim com tudo!). Já não me lembrava onde as pusera… Quando finalmente dei com elas (obviamente no local mais natural, de baixo da cama). Calcei-as e o pelo fofo fez-me cocigas… pensei em deixar-me rir, mas percebi rápido de mais que não me apetecia rir! Eu nunca gostei muito de cocigas! Ao pensar nisto, a minha mente sentiu-se livre da barreira que eu construíra e logo o meu incrível e incontrolável imaginário se pôs a passar slides diante dos meus olhos! Vi sorrisos, abraços, olhares, um rosto…
Foi o cheiro… aquele cheiro de que me apercebera há pouco que gostava tanto que me fez despertar da minha sessão de cinema gratuita e involuntária! O café estava feito! Enchi uma chávena, uma colher de açúcar e dei um trago. Senti cada pedaço do meu corpo ser preenchido por uma onda de calor, de satisfação…
Com calma, fui abrindo os armários e enchendo o balcão de mármore rósea com tudo o que precisava para preparar algo que se comece! Comecei então a descascar umas batatas… cada milímetro a mais sem casca, era mais um milímetro meu que se despia! Decidi esquecer por momentos a barreira de protecção e deixar-me ir… fui descascando e aventurando a minha mente a ficar mais despida! Depois de protecções, cortei-as em palitos finos e curtos, como sempre me soube bem! Entretanto dei mais um gole no café!
Senti-me parva ao deixar que reles comida me personificasse a minha mente, o meu pensamento… mas acabei por deixar de parte a lógica e deixar-me levar onde me levasse o pensamento! Fragmentei a minha personalidade, o meu eu numas dezenas de palitos finos e curtos… Talvez assim, em pequenas partes, eu me conseguisse avaliar melhor e perceber lentamente, enquanto as batatas fritavam, aquilo que eu verdadeiramente era! Mas rapidamente compreendi, que o tempo que as batatas levavam a fritar, era curto de mais para eu me conhecer! Arrumei todos estes fragmentos do meu eu na gaveta dos talheres enquanto procurava uma escumadeira e uma taça para onde transferir as batatas quando aquilo acabasse o seu rapidíssimo processo de fritura! Estava a tornar-me parva de mais, entregue naquela solidão…
Mais um gole de café e ficou apenas espaço para mais um trago!
Entretanto, estendi um pano com motivos marinhos sobre a mesa e nele espremi a posta de bacalhau. Lentamente, fui desfiando-a… Assim como quem se rasga interiormente… Quando terminei, em cima da mesa, encontrava-me completamente desfeita… entre sonhos, pensamentos, ideais, moralidades (e imoralidades cometidas), pensamentos, teorias de vida e do meu ser, recordações, hipocrisias, personalidades, banalidades… eu estava reduzida a um conjunto infindável de partes que não pareciam encaixar de forma alguma! Como era possível despersonalizar-me assim tão rapidamente? Como era possível aquilo ter sido (há cinco minutos atrás) uma posta de bacalhau? Como podia eu explicar racionalmente que há tão pouco tempo atrás eu era inteira, completa, segura… e agora, não era mais que imensos fiapos de bacalhau demolhado???
A cozinha começou a ficar mais quente, com um aspecto mais caseiro… no ar, começava a pairar o cheiro a fritos e o crepitar do óleo inundou-me os ouvidos! Uns anos atrás, o mesmo som, o mesmo cheiro, um outro lugar… um sorriso materno, um abraço doce, um tropeçar, gritos, lágrimas, mais mimos… Arregacei lentamente uma das mangas da camisola! A cicatriz continuava ali…
Espremi uma vez mais a posta, agora desfeita e deixei-a ficar assim embrulhada…
Agarrei em dois alhos e descasquei-os! Estranhamente, o seu cheiro incomodou-me! Era assim que eu me sentia interiormente quando tomei a decisão definitiva de partir para ali, uma mistura de algo que cheirava incrivelmente mal… Foi fácil perceber o porquê de nunca conseguir manter perto de mim muita gente! O meu eu fedia a podre, a alguém que ninguém se orgulharia de dizer ter por amigo! Num impulso de raiva, de nojo, dei um murro nas cabeças de alho, naqueles pedaços fétidos de qualquer coisa…
A mão doeu-me! Tinha batido com demasiada força… Respirei fundo e tentei ser consciente. Estava a deixar-me levar pelos pensamentos medíocres que toda a gente tem! Voltei a respirar, mais fundo ainda… Peguei numa folha de louro, lavei-a meticulosamente, como se me lavasse de todos os pensamentos parvos! Estava ali para esquecer a realidade de todos os dias, para ser eu mesma e não me deixar ir sendo o que os outros pensam que eu sou! Parti a folha ao meio e retirei-lhe o nervo duro que divide a folha. Aí misturei tudo o que sempre desejei, sem nervos que me reprimissem, uni as duas metades, sem separações! Misturei quem sou de verdade a todos os meus sonhos… Que andava eu a fazer da minha vida? Porquê ter um passado que me marcasse e me mutilasse todos os dias? Para onde caminhava eu? Na minha vida faltava cor, vida, odores, sensações, emoções, sonhos livres, sem repressões! Na minha vida faltava o essencial, sentido!
Forrei o fundo de um tacho com azeite, juntei-lhe os alhos e o louro e acendi o fogo! E ali estava eu, isolada do mundo, numa casa onde só uma pessoa no universo me poderia encontrar, a tentar fugir de mim mesma e personificando naquela mesma cozinha tudo o que eu era e tudo o que eu desejava ser!
Olhei o fundo do tacho, uma mistura de condimentos que dariam alguma coisa que gosto… uma vez mais senti que eu mesma, não passava de uma mistura de algo. Só não sabia o que essa mistura daria no final! Será que alguém, algum dia, gostaria de mim assim? Alguém gostaria de me provar, de me sentir, verdadeiramente, sem nada que me rotule…?
O crepitar do óleo fez-me acordar…as batatas estavam prontas! Olhei-as… pedaços de mim, dourados, estaladiços mas tão frágeis aos dentes do mundo! Subi a rede da fritadeira e deixei-as escorrer o óleo! Os meus sonhos eram assim… imensos, dourados, mas estranhamente frágeis! Eu não queria mais nada desses sonhos, eles mesmos me bastavam…
A cozinha adquirira um sabor quente e familiar!
Quando os alhos no fundo do tacho ficaram mais dourados retirei-los com uma colher assim como o louro… tal como fiz com a minha vida, antes que o fervilhar do mundo e da gente que me rodeava me matasse, me deixasse queimar… fugi, para ser eu, só!
Lentamente fui passando os fiapos de bacalhau para o óleo a ferver… Estava a começar a mistura! Tudo o que fui, que sou, que queria ser… Estava a começar a preparar-me para me provar e saber se tinha razão de ser, tudo o que me diziam! Fosse qual fosse o resultado, sabia que teria uma desilusão! Algo estaria estragado nisto tudo! Ou o meu eu, ou o que eu mais temia… as pessoa que eu pensava que me amavam!
Qual seria pior?
Envolvi os pedaços no óleo e o aroma foi-se tornando demasiado apetitoso… Tudo passou a ser sinónimo de misturar… só podia esperar pelo resultado final!
As batatas, um ovo batido… misturar, envolver… cinco minutos em lume brando com o testo! Peguei num pato, num garfo (ia dispensar a formalidade da faca)… fui até à sala, abri a cortina da porta da varanda… queria ver a chuva cair, queria ver a beleza simples de uma tempestade, queria ver como as gotas caiam ondulando do céu, queria ver a solidão que um dia pode ter! Arrastei o puff grande até à janela da varanda…
Fui até à cozinha, enchi o prato… Aparentemente aquilo era uma coisa demasiado confusa, misturada, não muito bonita esteticamente! Mas o cheiro era muito atraente, apetecível… A curiosidade começou a consumir-me! Instalei-me no puff, olhei a chuva e enchi o garfo… respirei fundo! Mastiguei lentamente, saboreando cada dentada… Gostei, muito! Seria só eu?
Lá fora a chuva começou a cair mais intensa… senti sede! Fui até à cozinha, espremi rapidamente uma laranja, acrescentei-lhe água, uma colher de açúcar e derramei num copo…
Ouvi uma porta abri! Só tu sabias esta morada! Só tu tinhas mais uma chave, a única cópia existente desta casa da praia… Fiquei parada no centro da cozinha com o copo na mão! Eu queria pensar… eu tinha-te dito que precisava de espaço para mim, que aquilo tinha chegado ao fim! Devia ter-te pedido a chave da porta…
Apareceste na ombreira da porta da cozinha, com a maior naturalidade do mundo… Tinhas o prato na mão e mastigavas ainda!
- Que é isto?
- Que é que estás aqui a fazer?
- Está bom de mais! Eu gosto!


Madalena Rocha
7-12-2006

Explosao de cores e sabores


Senti falta de algumas coisas!
Quando parti tão repentinamente, não calculei, nem tão pouco pensei no tempo que poderia ficar nesta casa!
O tempo aqueceu de repente e vi-me obrigada a voltar por umas horas à realidade, para conseguir roupas mais frescas, mais leves e para comprar também alguns mantimentos… Procurei uma hora em que sabia não ter ninguém que me fizesse perguntas às quais eu não saberia (ainda) responder! Procurei não tropeçar em nada do meu passado, em ninguém que me reconhecesse…
Não seria fácil, mas tinha que correr o risco… não queria viver numa realidade onde não estivesse confortável! Se estava ali para tentar pensar, para encontrar um sentido, não podia sentir-me desconfortável e as coisas mais elementares, eram as que mais me importavam neste momento!
Entrei de mansinho em casa, mas percebi rapidamente que não estava ninguém!
Respirei fundo.
Abri a torneira do chuveiro e fui até ao quarto… Tentei ser cega dentro dele! Naquela casa, na realidade em que eu deveria viver, naquele quarto… Sempre fora uma paixão aquele pequeno espaço com alguns metros quadrados, algo que me completava…mas hoje, percebi que era pesado de mais, de recordações, de fracassos, de sonhos mal realizados, de memórias… Virei as costas a tudo isto e tentei concentrar-me no armário cravejado de roupa! Peguei numa mochila e fui enchendo com algumas peças que ia escolhendo com algum cuidado… Não queria perder muito tempo ali, mas dei comigo a analisar todos os detalhes da roupa! Se queria sentir-me bem longe dali, também tinha que me sentir bem comigo mesma, com o meu corpo…
Depois da mochila chia, procurei outra coisa para vestir depois do duche… uma coisa diferente! A água já estava há correr há demasiado tempo no chuveiro… ao longe, pareceu-me ouvir uma voz a berrar do andar de baixo: “Vais tomar banho ou não?” Sorri! Tinha saudades dela!
Voltei a concentrar-me no duche! Precisava de alguma coisa, que naquele dia tão aborrecido e de retorno ao que me magoa, a esta realidade, me fizesse sentir incrivelmente bonita! Sabia perfeitamente o que escolher, sabia onde ele estava… o meu vestido vermelho!!! As alças finas, justo no peito e na cintura e com um pouco de roda que batia exactamente pelo joelho! O meu vestido vermelho!
Entrei rapidamente no chuveiro, tomei um banho rápido, sabia que já não tinha muito tempo! A casa, as coisas… estava tudo igual, tudo nos mesmos lugares, tudo sempre preso na mesma monotonia, carregado de recordações que ninguém tem coragem de apagar, simplesmente por não fazer ninguém mais ou menos feliz nesta casa! Mas a vida era deles, da minha, já eu tinha dado um jeito de tentar mudar as coisas e eles não pareciam muito importados com isso!
Prendi o cabelo num cabo de cavalo, vesti uma langeri preta que me fazia sentir igualmente confortável e bem, o vestido, chinelos de dedo pretos, muito simples… pulseira preta no tornozelo!
Apanhei a mochila no quarto, prendi uma flor preta no decote do vestido, uma das minhas flores… Olhei o interior da porta do guarda-vestidos… Tinha saudades de fazer aquelas habilidades manuais!
Procurei atrás da janela… lá estava! Um saco com agulhas de tricot e de coser, linhas, fita métrica… mas estava com pouco fios! Antes de voltar à praia passaria no mercado para comprar mais, estava decidido!
Voltei-me! O quarto, aquele que sempre foi o mais pequeno de toda a casa, pareceu-me incrivelmente grande…Demasiados anos tinham passado por ele, tinham-no feito crescer! Eram demasiadas recordações, demasiadas lembranças, demasiadas fotos e um pouco de saudades também! Abandonei-me por um segundo ao percorrer as recordações, todas aquelas fotografias, aqueles olhares, aqueles sorrisos… Prendi-me numa! Um olhar intenso, castanho… uma pele morena, o cabelo desalinhado e um sorriso…belo, grotesco! Senti-me vacilar, senti a tristeza invadir-me, o arrependimento de ter vivido como vivi…e lágrimas, que pensei já não existirem mais!
Sai rapidamente ao passar na escrivaninha apanhei um caderno pequenino que tinha comprado pouco antes de me ter mudado! Estava vazio, talvez desse jeito!
Ia já a sair quando me lembrei que a mamã notaria a minha presença… Arranquei rapidamente uma folha do caderno pequeno abri a primeira gaveta e lá estava, como sempre, uma caneta… escrevi: “Está tudo bem! Amo-te mamã. Madalena”
Bati a porta e fui directa ao mercado… Na minha cabeça ainda bailava a imagem daquele rosto, aquele olhar, aquele sorriso… Tinha saudades, tinhas muitas saudades dele! Tudo voltou a ser bloqueado, toda esta realidade se fechou de novo quando parei em frente aos enormes portões do mercado…
As sensações elementares! Aquelas que eu procurava… Aquelas que eu sabia que teria que recomeçar por sentir… pululavam em mim! A mistura de todas as corres garridas do arco-íris nas bancas de frutos e flores, os odores das especiarias, o barulho, os gritos dos regateios dos vendedores, o movimento…
Apeteceu-me pousar a mochila e a saca e correr pelos corredores… misturar o vermelho do meu vestido com os azuis, os verdes, os laranjas, violetas, amarelos, rosas, lilás, roxos, castanhos… misturar-me eu mesma com as tantas sensações que me cativavam em cada banca e me prendiam o olhar e toda a atenção! Mas sabia que ser louca, não era bem ali, que apesar de não ser a realidade, também não era ainda a realidade dual e decidi conter-me!
Fui comprando condimentos, peixe fresco, uns legumes extremamente verdes, umas frutas exóticas com as cores berrantes… Quando me vi cheia de mantimentos para uns bons dias, fui até à banca do cantinho, a banca pequenina, bem lá no fundo em busca da minha matéria prima, para voltar a dar asas à minha imaginação, os meus fios! Depois de uns bem coloridos, esperei que a gentil senhora me fizesse a conta e voltei as costas admirando uma vez mais a intensidade daquele lugar… Os meus olhos bateram numa banca de flores… girassóis! Fiquei a admira-los à distância, eram belos! Um amarelo puro, com um castanho central tão intenso e aveludado… sorri! Antes de partir tinha que passar ali para levar alguns…
Voltei-me novamente para a senhora, paguei a minha conte e estava prestes a despedir-me cordialmente quando reparei que a senhora me perseguia o olhar… Enfrentei-lhe os olhos… eram cor de amêndoa, coroados por meia dúzia de rugas ténues no canto do olho!
- A menina é muito bonita!
A sua voz meiga encheu-me os tímpanos… Sorri! Os mais velhos são sábios, sabem perfeitamente os que dizer, na hora certa! Sussurrei-lhe um obrigada, enquanto contive o seu rosto nas minhas mãos e lhe beijei a face!
Voltei-me com uma sensação de felicidade, de alegria, de contentamento a rebentar no peito e dirigi-me para a saída… No preciso momento em que pisei o patamar, a sua voz suou novamente ao longe por entre os gritos da multidão espavorida:
- Menina, não se esqueça dos girassóis!
Olhei-a e tentei com olhar apenas agradecer-lhe, não só por me lembrar dos girassóis, mas também por aqueles breves segundos de amor e carinho que me dera!
Ela aceitou o meu obrigada e sorriu novamente voltando ao seu trabalho!
Meia dúzia de girassóis e estava pronta…
Voltava-me já para o meu caminho muito satisfeita e a senhora da banca das flores falou-me:
- Para alguns, o girassol significa fama, sucesso e felicidade. Outros dão-lhe atributos do próprio sol como nutrição, poder e calor. Também lhe é dado o atributo de altivez. O girassol é a integridade e força que temos dentro de nós e que queremos transmitir aos outros. Já que acompanha o movimento do sol, o girassol simboliza longevidade e lealdade, transmitindo energia positiva a todos que estão à sua volta. Eles são utilizados para melhorar a auto estima, autoconfiança, dando mais vontade e coragem. Fez uma óptima escolha menina!
Sorri uma vez mais… Toda a gente se lembrava de me animar hoje!
Por fim fui até ao portão e quando o cruzei detive os meus paços… ninguém falou, ninguém chamou, podia regressar para o meu refúgio, a casa da praia, a realidade dual…
Madalena Rocha
9-12-2006
(P.S- Este textos, bem como os proximos dois, tinham sido retirados do blog, agora decidi repo-los, dado que sao alguns dos meus favoritos)

segunda-feira, outubro 08, 2007

Recomeço




Não sei se deveria chamar-lhe assim... no fundo a Clara, a Madalena e a Rita, sao as mesmas... talvez eu tenha mudado, e agora tenho necessidade de "abrir" uma segunda etapa neste blog delas! A Rita, entra agora aqui... já era outra face, mas num outro local, agora, passa a ser completo o blog! "as outras 3 faces". Muitos dos textos delas, serao publicados no dia 20 de outubro (ja daqui a quinze dias), num livro de poesia chamado de "avesso da alma" que por perputencia (talvez), deixei que ficasse meramente com o meu nome e nao com o delas! porém... quem as conhece, sabe quem sao elas e por isso, depois do primeiro livro de nos as 4, quero iniciar outra parte das nossas vidas!
Que seja um novo marco na vida delas e na minha também...
Uma das poucas intervençoes de quem lhes da apenas papel e tinta para escrever!
Ana Castro
(fotografia da capa do livro, por Marta Ferreira)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Onde é que isto me leva?


Queria arrancar este desalento deste pensamento intolerante…

Parece que ele não me deixa em lado nenhum! Pensei que vir para aqui poderia mudar alguma coisa… não é de todo mentira, mas mesmo assim, há momentos em que me sento aqui na varanda e por muito que queira e tente, a barreira que me costuma manter longe da realidade, torna-se algo transparente, gelatinoso, frio…. Algo que me deixa ver a verdade do que é o mundo onde eu deveria estar a viver neste momento e envolve-me neste desalento, cola-se a mim e deixa-me esta sensação de não conseguir mudar nada…

Esta casa deixa-me numa paz quase constante, mas sei que aqui me escondo, que paro de viver! Não sei onde me leva a realidade dual… Acho que apenas me adia! Lá fora, não sei que fazer, cá dentro, nada posso fazer! Para onde hei-de eu de caminhar?

Outro dia foi tão difícil mandar-te embora… Apesar do meu aspecto seguro e confiante quando te olhei e abri a porta sem mais palavras e esperei que saísses! Apesar do meu pedido de solidão, das minhas regras que determinavam o fim, ouvir-te dizer que gostavas do meu cozinhado, fez-me sentir bem, já que ele me personificava, ainda que de forma parva e estúpida! Mas estranhamente resignaste-te rapidamente à ideia, agarraste no casaco e saíste…

Quando ouvi o carro arrancar, lembrei-me que não te pedi as chaves de volta, mas sem saber muito bem porquê, já não me importava muito…

Madalena Rocha

8-12-2006

domingo, novembro 05, 2006

Fuga de mim


Senti-me presa aqui… reprimida! Quero escrever, mas não posso… Quero gritar, mas não me deixam… quero ser livre, mas estão a prender-me (ou será que fui eu que me prendi?) Quero viver, quero ser eu, mas já não sei como o fazer…

Por isso parei!

Desliguei todos os relógios, todos os tics irritantes e todos os tacs apressados!

Parei a minha vida… e parti! Para o meu mundo à parte, a minha outra realidade… abracei um novo mundo, uma nova realidade, uma nova casa!

Tenho rasgos de loucura, rasgos de lucidez, rasgos de confusão, rasgos de mim… e acabei por chegar à conclusão que eu sou demasiado “rasgada”!

Quando estou sozinha, aqui nesta casa… sinto-me ser diferente! Sinto menos o sentido de estar perdida, a confusão não é tão obvia… talvez esteja apenas a fugir-lhes, mas é tão mais fácil deste modo!

A decisão foi fácil, foi simples, foi automática…

- Estou cansada de tudo isto, estou cansada de viver!

Peguei no básico e pus-me a caminho. Quando cheguei à porta, reparei que ainda estavam bem marcadas as rodas do carro na folhagem junto ao portão! Respirei fundo! Não sabia se estar ali sozinha me transportaria para um lugar de paz, ou se me deixaria vencer por mim mesma, pelos meus problemas, pelas minhas confusões… Continuava a ser um mundo paralelo, continuava a ser uma loucura estar ali, porém hoje, uma loucura solitária!

Estava sozinha na alameda, parada em frente ao portão. No meu bolso tilintavam as chaves… Antes de entrar, olhei em redor! Reparei nos molhos de folhas secas, estavam alinhadas, como se alguém tentasse em vão junta-las… Pensei em respeitar esse trabalho de alguém sem nome nem rosto, mas desta vez a loucura transcendeu-me e inundou todos os meus poros… comecei a pontapear as folhas e a deixa-las voaram em meu redor numa dança descontrolada, tocarem o meu rosto gelado e senti-me quente, abraçada por algo, por Alguém que eu não via mas que sentia! A mistura daquelas cores um tanto ao quanto quentes e sujas, extasiava-me e vi-me sorrir sem motivo!

Abri a porta… Estava tudo como deixara-mos! Pousei o saco com comida no balcão de mármore frio da cozinha, a mala de roupa na cama grande e por momentos estirei-me transversalmente nela! Na penumbra, tentei pensar em tudo o que fazia, mas não conseguia! De certa forma, sentia que a realidade dual me estava a envolver lentamente, como um veneno inodoro, incolor… ela estava a apropriar-se de mim!

Fui percorrendo a casa e abrindo todas as janelas e portadas deixando que o som do mar, o ar salgado entrasse e rodopiasse em todas as divisões… Depois, arrumei meticulosamente tudo o que trouxera nos armários! Não tinha pressa e sentia que cada gesto meu era mais cuidadoso, mais preciso… me aproximava de uma perfeição, ainda que um tanto ao quanto virtual!

Sem mais nada que fazer ali, vesti o casaco comprido, o gorro e sai em direcção à praia! O vento ficara mais forte e agora fustigava-me o rosto violentamente! Sabia que o mar estaria bem bravo quando lá chegasse! Estaria bravo comigo?

Subi as dunas e sentei-me no passadiço… não havia ninguém em redor, nada… só eu, o mar, o vento, a angústia de não saber mais nada… Tentei estabelecer uma ligação qualquer com o mar, com a realidade dual, com aquela praia…mas já não tinha forças para nada!

Comecei a questionar-me! O que fazia eu ali? Quem era aquela estranha que eu via todos os dias no espelho? O que fizera ela com a minha vida? Qual era o sentido da minha vida? Um sorriso irónico percorreu-me o rosto! Sabia que tinha respondido a essa pergunta há muito pouco tempo, mas incrivelmente, já não me lembrava do que respondera! Que desilusão para quem mo perguntou, não?

Não sei o quero, o que sinto… na verdade eu não tenho personalidade fixa, nem sei quem sou! Às vezes desaparecer, parece ser a única solução…

Antes que a loucura me transcendesse, decidi escapar-me na realidade dual! Talvez aqui eu me encontre, talvez encontre Deus…Ele deve andar por ai algures, não?

Uma gota fria caiu-me no rosto! Por momentos fiquei confusa! Não sabia se seria uma lágrima minha ou do céu… mas rápido me apercebi que já nem lágrimas tinha, que a minha tristeza era mais profunda do que qualquer dor somada e multiplicada!

Despi o casaco e descalcei-me, arregacei as mangas, soltei o cabelo daquele gorro grosso e fui caminhando lentamente pela areia!

O frio nos meus pés, fez-me sentir viva… e senti-me vagamente feliz, por conseguir ter pelo menos uma certeza: sentia frio! Numa vida onde nada é certo, aquilo, fez-me sentir bem!

O vento violentava-me o rosto, o cabelo, as roupas…

Quando estava mais perto da água, a chuva começou a ficar mais intensa, então abri os braços, rodopiei umas quantas vezes com o rosto voltado para o céu e os olhos abertos até me deixar cair de costas na areia… Esvaziei-me por completo e fiquei a sentir apenas as coisas simples deste momento só meu! O frio, o mar, o toque suave de cada gota no meu rosto… Fiquei assim muito tempo! Não sei precisar quanto tempo foi ao certo, sei que não foi demasiado, nem foi pouco, foi o exacto! Sem mais nada, só o meu corpo, as sensações elementares da vida…

Foi-me fácil perceber que se eu não queria perder de todo tudo o que ainda restava da minha vida, teria que começar pelo básico!

Quando a tempestade acalmou e o meu corpo já estava demasiado molhado, chegando ao ponto de eu não saber mais se estava deitada na areia ou na água, reuni as restantes forças de mim e ergui o meu corpo! Sentia-me pesada… as roupas estavam a tornar-se um embaraço e dificultavam-me o andar!

Fui caminhando para casa! Casaco no ombro, sapatilhas numa mão, cabelo colado ao rosto… A chuva não parava, mas eu não tinha pressa de nada! Sempre desejara fazer aquilo e hoje, não havia mais nada moral ou social em que pensar ou me preocupar!

Cheguei à alameda… tudo permanecia deserto, sem qualquer sinal de vida! Os meus pés descalços pisaram um dos ainda restantes montes de folhas agora já molhadas! A sensação foi agreste, selvagem até, ouso dizer! Mas soube-me bem… Era um misto a áspero e a escorregadio… Todos os castanhos, amarelos, beijes e laranjas apesar de molhados faziam-me sentir um morno em mim, já que o meu corpo já estava no seu pólo glaciar!

Madalena Rocha

4-11-2006

domingo, outubro 15, 2006

Baptismo da realidade dual


Sentei-me prestes a digerir tudo o que sentia… Respirei fundo! Que dia de sonho… Quando me sentei no banco ao teu lado no carro, não imaginava nada, nem sequer onde iríamos nós de ir ter! Uma música tocava ao acaso na rádio, o dia estava ameno, suave… O céu pintalgado de nuvens cinzentas e rasgos de sol…

Falamos despreocupadamente, como se nada neste dia fosse diferente, como se não tivéssemos programado nada (o que no fundo não deixa de ser verdade), como se tudo fosse perfeitamente normal!

Sem rumo (ou não) paramos em frente da casa… Era pacata! Gostei dela logo no primeiro olhar de relance… Tinha um ar envolvente que me absorvia na simplicidade, no rústico… Quando sai do carro, olhei-a bem de frente, tentando não perder nenhum pormenor. Gostava, decididamente! Lentamente fui-me encaminhando para o portão e entre o carro e o mesmo, dei comigo perdida no misto quente de cores dos inúmeros montes de folhas secas… amarelos, laranjas, castanhos, beges… Por momentos, apeteceu-me pontapear todas elas, faze-las voarem em nosso redor para que no ar o ambiente quente se tornasse mais mágico… mas depois de pensar em todos os prós e contras, conclui que estar ali, só por si, já era mágico o suficiente!

Por dentro… ainda mais acolhedor… senti-me em casa! E a cumplicidade de cada gesto nosso, só me fazia querer que tínhamos acabado de imitar a brodway ou holiwood e nos tornáramos personagens vivas de um filme qualquer! Depois de um pequeno reconhecimento, estirei-me numa das camas e deixei-me ficar embrenhada numa conversa que já não me lembro muito bem… a penumbra, a simplicidade de cada um de nós em sua cama numa conversa banal…

O que estarias a pensar? O que estarias a imaginar? O que esperavas deste dia? Estas questões não me deixavam ouvir o que realmente me dizias… Sabia que este dia, este lugar… tudo, era novo, era o nosso mundo, a nossa realidade paralela, mas… no fundo, o que seria isso? Não discutíramos regras, normas, decretos…nada! Quis fazer-te ouvir estas questões, mas a verdade, é que estava convencida que te questionavas do mesmo modo! Por isso, que fosse como fosse… deixei que o tempo construísse as raízes da realidade nova…

Perto dali, o mar sussurrava!

Descalçamos as sapatilhas, arregaçamos as calças até aos joelhos e fomos andando pela praia deserta, sem rumo, sem objectivo! Era tudo novo… A conversa era agradável, e nada soava a compromisso, a relação… apenas a cumplicidade da ousadia de desafiar a vida, a ética, a moral e saltar sem medo para a realidade paralela que decidimos construir… Sentamo-nos algures a olhar as ondas, a espuma, o céu cinzento…Não era necessárias muitas conversas, na verdade, não sei se haveria assim tanto para se dizer!

Uma aposta! Fria? Muito fria? Gelada? Sorri!

- Fria!

- Gelada!

- Vamos ver? – Sai disparada até junto ao mar! Lentamente deixei que o êxtase da água me percorresse! Sentia-me a adaptar-me verdadeiramente a esta nova realidade…

- Fria, ganhei! – O meu sorriso era trocista, confesso! Trocamos um olhar cúmplice… apetecia-me mergulhar, os teus olhos diziam o mesmo! Olhei-nos… completamente vestidos! Não estava preparada para mergulhar e por muito que tudo aquilo parecesse saído de um filme, a praia, não estava deserta (pelo menos, não tanto quanto desejaríamos). Corremos para casa, em busca de alguma peça de roupa esquecida dos tempos em que fora habitada… Confesso, comecei a ficar entusiasmada com a ideia de mergulhar naquele mundo, naquela realidade… a água, o mar, o vento… desafiar as regras… Depois de uma vista de olhos rápida ali estava! Não o melhor, mas servia para matar a nossa vontade…

Voltamos à praia e esperamos que as famílias felizes que passeavam despreocupadas pela praia se afastassem para dar-mos asas à nossa loucura, a primeira de muitas, acho! Enquanto isso, olhávamos o céu lado a lado… era fim d tarde, mas havia bastante claridade… o céu tornara-se mais denso de nuvens cinzentas e o vento, ficara mais forte! Era um puro dia de Outono e nós, prontos a mergulhar nas águas frias (e não geladas) do nosso mar, da nossa realidade… Na realidade, não passava de um baptismo! Ia-mos baptizar o nosso mundo, a realidade paralela, as nossas personalidades duais… os nossos corpos, um pouco estranhos um ao outro ainda!

- Vês as estrelas?

Ri! Estrelas? Em plena tarde?

- Claro!

- E olhos?

- De quem? De Deus? Sim… estou a vê-los!

- Se calhar é um leão, não Deus!

- Tens razão, estou a ver-lhe a juba!

Cai-mos na gargalhada, na loucura contagiante, absorvente e já tão embrenhada a que nos expúnhamos e estranhamente, sem ninguém ver!

Quando os olhos mais indiscretos se afastaram do par de amigos doidos a rirem na areia, vesti a saia comprida e o casaco exageradamente grande para mim… Por momentos, senti o meu corpo completamente nu por debaixo daquilo e um arrepio percorreu-me! Rapidamente, tiraste a roupa e os teus boxers bicolor saltaram-me à vista! São giros… Não te tinha dito isto, pois não?

Corri sem mais nada que me prendesse par o começo de um novo mundo, para o meu baptismo sem retrocesso… a água inundava-me a alma, o corpo, a vida! Sentia-me livre… se não fosse por ti, o meu baptismo teria durado até ao anoitecer… O teu corpo arrepiava a todo o momento… Estarias a sentir o mesmo que eu? A liberdade? Não sei… só me queria perder na nova realidade!

Quando saímos, como se tudo aquilo fosse normal, abraçamo-nos numa única toalha e olhamos o mar juntos… Imaginei-me mesmo como se tudo fosse um filme e acabei por perceber, que não estava muito longe de o ser… ali, éramos a outra parte, o outro lado da dualidade da personalidade que temos, ali era o outro mundo! Da forma cúmplice e entre sorrisos, trocamos de roupa e guardamos o nosso baptismo no cantinho das recordações diferentes e especiais da nossa memória! Tenho a certeza que nunca ninguém teve uma pia baptismal como a nossa, mas acho que é justo, pois ninguém vive duas realidades, nem muito menos, alguém vive a nossa realidade paralela! Abandonamo-la sorrindo e prometendo voltar em breve, o mais breve possível! Por agora, fora a minha memória (e a tua) a única coisa que resta deste dia, é o teu perfume no meu casaco!

Madalena Rocha

15-10-06

terça-feira, agosto 15, 2006

Lá vai a prostituta


Lá vai a prostituta

Com o seu maior decote

Lábios pintados de um brilho apenas

Para despertar o desejo

De qualquer um que passe!

Nos olhos um risco negro carregado

Realçando o verde água

Natural de si mesma

Cabelos molhados

E peito encharcado numa fragrância doce!

Lá vai ela!

A prostituta!

Lá vai para mais uma viagem

Ao mundo desconhecido do seu corpo

E ao de outrem…

Quem? Não sabe,

Mas também não importa!

Cada dia um diferente,

O seu trabalho,

Apenas dar-lhes prazer!

Caminha nervosa de um lado para o outro

Mais uma vez

Puxa os peitos para cima

O decote mais a baixo

Ignora quem passa

Numa atitude altiva

(mas demasiado frágil)

Mas vê-lhes bem o desejo no rosto

Num reflexo já completamente inato

Quando vê ao fundo o seu transporte

Troca a aliança de mão

O coração de ouro que carrega no peito

Entre os seios já suados

Do insuportável calor

Limpa o canto dos lábios carnudos

Borratados por um meio sorriso

Que lhe escapou há pouco

Porquê?

Nem ela sabe!

Põe os óculos de sol

Para que o ar de mistério

E sensualidade suba ao rubro!

Cada um que olha ao passar deseja

Cada um que olha ao passar ela despreza

É o seu oficio

Que ninguém sabe

Que ninguém pode saber

Só isso!

Ela entrou

Ele mirou

Ela tentou sorrir

(Um sorriso falso)

Ele não percebeu

Ela permaneceu na entrada

Como era costume

Ele veio de olhar sedento

Ela fingiu não perceber

Soltou o vestido num único gesto

Seco

Rápido

Mecânico

Mero hábito de trabalho

A lingerie berrava aos olhos dele

Ela fechou os olhos

Ele não conteve mais o seu desejo

Ela viu o seu príncipe

(não o marido,

Que esse não entra nos seus sonhos)

De olhos fechados ficou

Ele de olhos bem abertos a devorou

Olhos verdes ele não viu mais

O seu rosto de puro desejo carnal

Ela não pode perceber

No fim ele gritou

Dela,

Num um sussurro suou

Voltou a abrir os olhos

Verde mais vivo que nunca

De lágrimas a transbordar

Ele arfando ao seu lado

Nem reparou

Ela ainda nua e suada

Agarrou o maço de notas

Perdido na mesa-de-cabeceira

(sublinhe-se bem,

Que este era pequeno,

Ser prostituta não rende assim tanto,

Não quando se estava no inicio

Não quando a necessidade de dinheiro

Era maior)

Vestiu de novo o vestido berrante

Não disse nada

Ele já se abandonara à sua exaustão

Saiu

Voltou pelo mesmo caminho

Na sua memória

Fica o sonho com um príncipe

(que fez amor com ela amando-a)

E no seu bolso

Um maço magro

De notas sujas

Perto de casa

Volta a colocar a aliança na mão esquerda

Abriu a porta

Ninguém em casa

Soltou um suspiro

O alivio de não ter que encarar de novo a personagem

Era enorme

Sentiu-se suja

Esfregou-se até quase rasgar a pele

Num último momento de desespero

Imergiu na banheira de espuma a transbordar

Assim fica,

Até que algo mude de curso

E desta se foi a prostituta

Num outro dia banal

Só um

Só mais um dia de oficio ingrato

Para quem só pode amar com o corpo

Sempre só um

Só mais um

Contudo,

Não o derradeiro último!

Madalena Rocha

30-5-2006

quinta-feira, julho 27, 2006

Uma nova visao do mundo


Já só queria sentir aquela sensação… Não ouvir nada! Só o som da água fria do chuveiro, a escorrer pelo meu corpo levando lentamente cada gotícula de sal que se impregnaram em mim enquanto caminhava na praia… Não sei quanto tempo andei…sei que foi tempo de mais! Procurei a exaustão dentro de mim e ao contrário dos outros dias, não havia maneira de ela chegar… As palavras do médico, ainda ressoavam cá dentro e não sei bem porquê, encheram-me de força, ao contrário do que seria de esperar! Por fim, cansei-me simplesmente psicologicamente de andar e deixei-me ficar estendida da areia! Primeiro de olhos fechados sentido a textura da areia nas minhas mãos, depois o som do mar… deixei entrar dentro de mim, ser eu! Por fim, de barriga para baixo e cabeça apoiada na palma das mãos, fiquei simplesmente a vê-lo…

Relembrei as brincadeiras ao lado de um amigo… As palavras tontas, os desabafos, as frases célebres enunciando o desejo de morrer! Brincamos até com a estúpida mancha, ele beijou-a… sempre a brincar!

Agora, passou tudo a uma realidade estranha! Não é triste, não me consome, não me leva a pensar nada… E por isso mesmo, nem sei porque me deixei chorar enquanto andei sozinha pela praia… Pensei em ti! No que dirás… de certa forma, não te quero contar! Quero que fiques com a minha imagem intacta, tal como no dia em que a viste pela primeira vez… Sinto demasiado desprezo pelos sentimentos de compaixão e pena neste momento! Se to disser, vais mudar… vais deixar de ser tu e eu vou acabar por passar pelo que não quero!

Sinto, embora sem saber porquê, um alívio enorme no peito… Quase um sentimento de cobardia… que ironicamente, me faz sentir bem! Sinto-me livre agora… livre para ser louca, ousada, rebelde… fazer tudo o que for e não for aceite, por quem quer que seja! Sinto-me livre para experimentar tudo o que sempre desejei e nunca te disse…

Não sei até quando… Só isso, não me souberam dizer!

Agora, enquanto passo a esponja meticulosamente por cada pedaço do meu corpo, sinto como se este banho fosse único, como se me lavasse de outra forma! Não me apetece acabar… Desde que as palavras derradeiras (ou não) foram ditas, tudo se tornou diferente… Em vez do autocarro habitual, apeteceu-me andar a pé… reparei num monte de coisas! Pequenos pormenores, que da janela de um autocarro apinhado, nunca seria capaz de me aperceber… Sorri a estranhos, troquei olhares furtivos, beijei faces de idosos, brinquei com as crianças da rua… até o inspirar do ar me pareceu diferente! Só uma coisa me pareceu exactamente igual… aquela praia!

Quero esquecer a frase do médico… Pela forma como ma disse e pelo seu olhar piedoso que me meteu nojo! Haveria mil e uma formas para mo dizer, não me importaria do mesmo modo, mas um simples: “Estás a morrer” é seco de mais!

Clara Rodrigues

27-7-2006