quarta-feira, maio 03, 2006

Minha infância


29-7-2005

Porque é que o som da minha infância me está a matar? Porque é que o estão a espezinhar?

Sempre tive medo de odiar, mas neste momento é isso que cresce em mim. Não é um ódio de ninguém, para ninguém… é ódio simplesmente! Ódio deste som que ecoa dentro de mim… é o grito que a terra dá, a terra onde eu nasci! É ódio das máquinas que rasgam, que mastigam, trituram a minha terra! E fica apenas o grito abafado que ela não pode conter…

Nunca mais vou sentir o cheiro a terra molhada, nunca mais vou poder rebolar nas ervas daninhas, nem cheirar os malmequeres amarelos… nunca mais! É como se me estivessem a arrancar uma parte de mim, as minhas memórias, o meu orgulho, os meus sonhos de criança, a minha inocência…

Os ninhos vão cair, junto com as árvores dos meus frutos predilectos, as andorinhas vão esquecer que um dia era felizes aqui, vão voar para outros lados, as toupeiras, os ratos do campo, os grilos, as cigarras, os saltões, as cobras… vão todos embora, para não voltar jamais!

A velha mina que nos banhava com a água fresca, é dilacerada, rasgada em pedaços, para dar lugar a modernices, ao luxo, à falta de ar puro! É ao vê-la ser quebrada, que vejo as lágrimas que a minha terra chora! Ela chora como eu, em silêncio, contendo o grito de dor que não mudaria nada… Se as máquinas não continuassem, eu diria que por cada lágrima, nasceria mais uma flor campestre…mas em vez disso, vão nascer prédios, casas, alcatrão, vigas de aço…

Consegues ver que eles estão a fazer? Consegues sentir o que eu sinto? Sempre imaginei viver aqui, “feliz para sempre” como acabam todos os contos de fadas… via o meu rosto ganhar sulcos profundos… pequenas rugas, deixadas pelo meu tropeçar na vida ao longo dos tempos… via os meus rebentos, os meus netos, correrem por ai como eu, passarem as tardes escondidos na erva daninha a inventar formas nas nuvens do céu, via-os a brincar, a ousarem arriscar-se como eu… a aparecerem em casa com arranhões dos ramos da árvores e das silvas, ou das comichões das urtigas, picadas dos insectos… porque lhes roubaram tudo isso??? Porque me matam cada sonho???

É por isso que tu preferes não ser ninguém, preferes manter-te no limbo da minha imaginação… escondido, isolado destas coisas confusas que o mundo tem! Sabes o que lhe chamam aqui? Ganância, egoísmo… são coisas feias que este mundo tem! Coisas que sempre pensei que no sangue do meu sangue, fosse impossível de existir…mas a cada passo que os anos dão, vejo que o meu conto de fadas, não é tão lindo como eu pensava! Ele vendeu tudo, sem sequer pedir desculpa aos que saíram de dentro de sim…achas justo???

Madalena Rocha